É quase impossível não gostar da música "Amor e Sexo", cantada pela Rita Lee. Quem já se deu ao trabalho de conferir sabe que a canção é dela, do Roberto de Carvalho e do Arnaldo Jabor. Acontece que o Jabor não
sentou com a Rita e o Roberto para fazer a música. Ela, na verdade, se inspirou em uma crônica dele para compor Amor Sexo e, mais do que corretamente, lhe deu o crédito como co-autor da música. Para quem ainda não conhece, aqui está a
crônica do Arnaldo Jabor que deu origem à música.
Amor e Sexo - Arnaldo Jabor
Amor é propriedade. Sexo é posse. Amor é a lei; sexo é invasão. O amor é uma construção do desejo. Sexo não depende de nosso desejo; nosso desejo é que é tomado por ele. Ninguém se masturba por amor. Ninguém sofre com tesão. Amor e sexo, são como a palavra farmakon em grego: remédio ou veneno - depende da quantidade ingerida. O sexo vem antes. O amor vem depois. No amor, perdemos a cabeça, deliberadamente. No sexo, a cabeça nos perde. O amor precisa do pensamento. No sexo, o pensamento atrapalha. O amor sonha com uma grande redenção. O sexo sonha com proibições; não há fantasias permitidas. O amor é o desejo de atingir a plenitude. Sexo é a vontade de se satisfazer com a finitude. O amor vive da impossibilidade - nunca é totalmente satisfatório.
O sexo pode ser, dependendo da posição adotada. O amor pode atrapalhar o sexo. Já o contrário não acontece. Existe amor com sexo, claro, mas nunca gozam juntos. O amor é mais narcisista, mesmo entrega, na 'doação'. Sexo é mais democrático, mesmo vivendo do egoísmo. Amor é um texto. Sexo é um esporte. Amor não exige a presença do 'outro'. O sexo, mesmo solitário, precisa de uma 'mãozinha'. Certos amores nem precisam de parceiro; florescem até na maior solidão e na saudade. Sexo, não - é mais realista. Nesse sentido, amor é uma busca de ilusão. Sexo é uma bruta vontade de verdade. O amor vem de dentro, o sexo
vem de fora. O amor vem de nós. O sexo vem dos outros. 'O sexo é uma selva de epilépticos' (Nelson Rodrigues).
O amor inventou a alma, a moral. O sexo inventou a moral também, mas do lado de fora de sua jaula, onde ele ruge. O amor tem algo de ridículo, de patético, principalmente nas grandes paixões. O sexo é mais quieto, como um caubói - quando acaba a valentia, ele vem e come. Eles dizem: 'Faça amor, não faça a guerra'. Sexo quer guerra. O ódio mata o amor, mas o ódio pode acender o sexo. Amor é egoísta; sexo é altruísta. O amor quer superar a morte. No sexo, a morte está ali, nas bocas. O amor fala muito. O sexo grita, geme, ruge, mas não se explica.
O sexo sempre existiu - das cavernas do paraíso até as 'saunas
relax for men'. Por outro lado, o amor foi inventado pelos poetas provençais do século XII e, depois, relançado pelo cinema americano da moral cristã.
Amor é literatura. Sexo é cinema. Amor é prosa; sexo é poesia. Amor é
mulher; sexo é homem - o casamento perfeito é o travesti consigo mesmo.
O amor domado protege a produção; sexo selvagem é uma ameaça ao bom
funcionamento do mercado. Por isso, a única maneira de controlá-lo é programá-lo, como faz a indústria da sacanagem. O mercado programa nossas fantasias.
Não há 'saunas relax' para o amor, onde o sujeito entre e se apaixone. No entanto, em todo bordel, finge-se meu 'amorzinho' para iniciar.
O amor virou um estímulo para o sexo. O problema do amor é que dura muito, já
o sexo dura pouco.
Amor busca uma certa 'grandeza'. O sexo é mais embaixo.
O perigo do sexo é que você pode se apaixonar. O perigo do amor é virar amizade.
Com camisinha, há 'sexo seguro', mas não há camisinha para o amor. O amor sonha com a pureza. Sexo precisa do pecado.
Amor é a lei. Sexo é a transgressão.
Amor é o sonho dos solteiros. Sexo, o sonho dos casados.
Amor precisa do medo, do desassossego.
Sexo precisa da novidade, da surpresa. O grande amor só se sente na perda.
O grande sexo sente-se na tomada de poder.
Amor é de direita. Sexo, de esquerda - ou não, dependendo do momento político. Atualmente, sexo é de direita. Nos anos 60, era o contrário. Sexo era revolucionário e o amor era careta".
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